(Se desejar visitar este projecto terá uma oportunidade a 31 de Março de 2018 no passeio mensal da Montis)
A pastorícia com raças autóctones - aqui a vaca Maronesa - é um dos pilares deste projecto. Foto de Avelino Rego. |
« (...) o projecto (...) propõe um tipo de gestão que concilie os interesses económicos da população com a preservação e promoção dos valores naturais, com objectivos de conservação de espécies e habitats e de sustentabilidade das actividades tradicionais das comunidades que aí habitam, conduzindo assim a uma valorização do território, promovendo a própria sustentabilidade do modo de viver nesta área de montanha.»
Imagem dos Baldios da Freguesia de Alvadia, na Serra do Alvão, onde decorre o projecto. Note-se o mosaico de habitats de montanha, dos prados aos pequenos bosques, passando pelas linhas de água. Foto de Avelino Rego daqui. |
A primeira edição do Prémio ICNF (2017) teve três vencedores. No entanto, a procura de mais informação sobre cada um desses projectos não é fácil. Porque considero que as boas práticas na conservação da natureza são merecedoras de uma divulgação mais alargada, faço aqui uma primeira divulgação de um dos projectos vencedores, o projecto Gestão integrada e promoção da biodiversidade de uma área de montanha na serra do Alvão dos Baldios da Freguesia de Alvadia.
Os três projectos vencedores do Prémio ICNF 2017. |
A Freguesia de Alvadia situa-se no Sudeste do concelho de Ribeira de Pena, no distrito de Vila Real. Podem ver a sua localização aqui. O território da Freguesia de Alvadia fica em continuidade com o Parque Natural do Alvão, como se pode ver na imagem abaixo. O Parque Natural do Alvão, com os seus cerca de 7000 ha é relativamente pequeno e abarca apenas parte da Serra do Alvão. O seu pequeno tamanho reforça a importância da boa gestão dos territórios que o rodeiam, e é isso que este projecto ambiciona.
A localização da Freguesia de Alvadia, Concelho de Ribeira de Pena, Distrito de Vila Real. |
Para descrição do projecto vou recorrer ao texto de divulgação elaborado pelos próprios que me parece excelente. Dou então a palavra aos autores:
«O ponto de partida para este projecto, foi a constatação de que uma das maiores ameaças aos valores naturais e ao equilíbrio ecológico nos Baldios da Freguesia de Alvadia (assim como toda a Serra do Alvão) é a existência de violentos incêndios durante a época quente e seca do ano. Estes incêndios de verão assumem grandes proporções, muito intensos, extensos e contínuos, sendo que a recorrência destes fenómenos conduz a um cenário onde pouco mais resta do que solo esquelético e estéril, com perda do estado de conservação de espécies e habitats, acarretando igualmente o perigar da sustentabilidade socioeconómica, das actividades agrossilvopastoris que constituem a principal fonte de rendimento das populações residentes.
Entre as medidas preconizadas de gestão, destaca-se a criação de descontinuidades no coberto vegetal, com recurso a fogo controlado durante o Inverno, imprimindo no território faixas sem combustível, que permitirão no Verão, conter a progressão para dimensões catastróficas de eventuais incêndios. A execução destas faixas apresentam um factor de inovação, dado que ao serem executadas segundo a curva de nível, permitem maximizar a retenção de nutrientes nas camadas a jusante não intervencionadas. A cada ano, as faixas vão sendo executadas a cotas diferentes e com esta introdução proactiva do fogo (que inevitavelmente fará sempre parte do nosso ecossistema) está-se a transferir o fogo das épocas de Verão, altura em que não o conseguimos controlar, para épocas em que conseguimos determinar as condições em que aceitamos que arda.
Os incêndios violentos de Verão são uma das maiores ameaças aos valores naturais da região. Foto de Avelino Rego daqui. |
Entre as medidas preconizadas de gestão, destaca-se a criação de descontinuidades no coberto vegetal, com recurso a fogo controlado durante o Inverno, imprimindo no território faixas sem combustível, que permitirão no Verão, conter a progressão para dimensões catastróficas de eventuais incêndios. A execução destas faixas apresentam um factor de inovação, dado que ao serem executadas segundo a curva de nível, permitem maximizar a retenção de nutrientes nas camadas a jusante não intervencionadas. A cada ano, as faixas vão sendo executadas a cotas diferentes e com esta introdução proactiva do fogo (que inevitavelmente fará sempre parte do nosso ecossistema) está-se a transferir o fogo das épocas de Verão, altura em que não o conseguimos controlar, para épocas em que conseguimos determinar as condições em que aceitamos que arda.
A cabra Bravia é uma das raças autóctones usadas na revitalização da economia local e controlo da biomassa. Fotos de Avelino Rego. |
Ao mesmo tempo que se tem uma visão pragmática sobre a evolução do combustível e controlo da sua continuidade no espaço, propõem-se medidas que visam revitalizar as actividades económicas, que por si só fazem a gestão do combustível, evitando que vá arder um dia, sendo assim fortemente estimuladas as actividades de pastorícia (nomeadamente da cabra Bravia e vaca Maronesa) e recolha de mato para a cama dos animais, sendo estas, duas propostas fulcrais neste projecto.
Vacas Maronesas, raça autóctone, a pastar no baldio. Foto de Avelino Rego. |
A pastorícia é então apresentada como uma solução de futuro (quer para o Alvão, quer para o restante território), estratégica para o país, no sentido em que é a prática que mais eficientemente consegue tirar proveito da capacidade de produção vegetal que as nossas serras detêm - que de outra forma vão arder um dia. Será também a forma mais eficiente de controlar a evolução de matos, nas descontinuidades que necessariamente teremos de criar, no nosso espaço florestal nacional.
"Carrada de mato para a cama dos cabritos." Foto e texto de Avelino Rego daqui. "Esta é uma prática tradicional que importa preservar pela sua multifuncionalidade: confere um elevado grau de bem estar aos animais, no tempo em que permanecem no estábulo; uma vez misturados com as fezes e urina dos animais é um excelente fertilizante que contribui para a manutenção do teor de matéria orgânica nos solos, com consequente sequestro de carbono; promove a remoção de matos da floresta, procedendo-se deste modo a acções concretas de gestão de combustíveis facilmente inflamáveis." |
Respeitante ao corte de mato para a cama dos animais, esta é uma prática "win-win", que além de fazer a cama aos animais, com posterior aproveitamento do estrume e efectivos ganhos no balanço do ciclo de carbono, procede ao controlo do combustível disponível. Tendo em conta o seu impacto ambiental positivo, importa valorizar e preservar esta prática, um verdadeiro serviço de ecossistema prestado pelos agricultores. As áreas com forte aptidão para o corte de mato, serão então dedicadas a esse fim, sendo circunscritas com fogo controlado.
O corte do mato para a cama dos animais diminui os riscos de incêndios e permite o sequestro de carbono. Fotos de Avelino Rego. |
Por sua vez, há locais com grande aptidão para abrigo da fauna silvestre que importa ali deixar desenvolver mata que permita consolidar um bom local de refúgio. De igual modo, estas áreas serão circunscritas com fogo controlado, para evitar que um eventual fogo que venha de fora, ali consiga entrar. Ou vice-versa.
A paisagem é constituída por um mosaico de habitats, dos prados aos bosquestes que servem de abrigo à fauna selvagem. Foto de Avelino Rego. |
Descritas em modo geral as acções de gestão preconizadas, tendo sempre em mente o lema "gerir para conservar", dá-se conta ainda da preocupação de mitigar as perturbações de habitats dos últimos anos, tentando-se criar oportunidades para a recuperação de um conjunto diversificado de espécies e habitats, muitos dos quais raros e ameaçados, nos quais se incluem também espécies e habitats prioritários.
Nesta linha de pensamento, o projecto prevê :
a) a plantação de pequenos bosquetes dispersos pelo baldio, procurando o fomento do património natural autóctone, o aumento da resiliência do solo, ao mesmo tempo que se ali constitui abrigo para a fauna silvestre e o gado que pastoreia a serra.
b) Instalação de caixas ninho para aves, procurando-se criar condições para espécies que neste momento não estão a encontrar as condições adequadas para se reproduzirem neste local. Esta medida tem ainda como objectivo o da sensibilização, despertando a consciência da importância da implementação de medidas de conservação da natureza e da própria importância ecológica deste local.
c) Instalação de caixas abrigo para morcegos que para além da relevância conservacionista, tem ainda a vantagem de alertar para um grupo faunístico ainda bastante desconhecido da população em geral, apesar do mesmo incluir muitas espécies de elevado valor ecológico.
d) Criação de charca que servirá, quer como ponto onde diferentes espécies possam beber, quer como habitat; podendo ainda funcionar como um ponto de água para auxílio ao combate de eventuais incêndios.Este trabalho de agregação dos vários interesses envolvidos, numa estratégia consertada, só foi possível devido à colaboração de muitas pessoas, nomeadamente dos caçadores, pastores e agricultores da comunidade dos Baldios da Freguesia de Alvadia que tiveram um papel imprescindível na transmissão dos conhecimentos locais, discussão dos prós e contras das práticas culturais e no apontar de possíveis soluções.
Foi também muito importante o apoio cientifico que a UTAD, nomeadamente o Departamento de Ciências Florestais e Arquitectura Paisagista (CIFAP) foi sempre disponibilizando ao longo de todo o processo.
Este projecto terá impactes não só decorrentes da aplicação directa das medidas que agora se prevêem, mas também ao nível da mudança da consciência colectiva, o que por si só criará condições para que espontaneamente haja implementação de outras medidas de conservação da natureza e o gradual abandono de práticas lesivas do património ambiental, de um modo muito mais eficiente do que aquele que qualquer programa legislativo ou de fiscalização conseguiria obter. Representa também um sinal para aos baldios vizinhos e correspondentes entidades gestoras, que verão na gestão sustentável e na conservação da natureza uma oportunidade de desenvolvimento.»
Avelino Rego. Foto de Nelson Silva. |
Termino com um agradecimento a Avelino Rego (à esquerda), que desenvolveu o projecto para os Baldios da Freguesia de Alvadia em parceira com a Biomater - Ambiente, Sustentabilidade e Conservação da Natureza, Lda. A sua abertura às minhas questões e gentileza no fornecimento de informação foram exemplares. Desejo-lhes o maior sucesso com a implementação deste projecto ímpar.
Para mais informações, visitem a página https://www.facebook.com/BFAlvadia/ ou contactem o projecto por email para baldios.freg.alvadia (a) gmail.com.
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