quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Coisas de lojista, não liguem, circula, circula

(post longo e chato; estão avisados)

Ontem animei-me na loja. Adoro ver encomendas a chegar. Principalmente se vêm carregadas de livros espectaculares, sobre a águia-imperial, ou o urso-pardo em Espanha, ou guias de insectos, aves, conchas, flores tóxicas, de arte, o anunciado último volume do Handbook of Birds of the World (tudo coisas da Lynx), mais uma encomenda do Observatório Marítimo dos Açores OMA com lindos pósteres em A3 e grandes, com baleias ou peixes, e puzzles e livros e ímans deslumbrantes de cetáceos, e a encomenda da Sound Approach com livros sobre aves e o seu canto (esperem mais uma apresentação em breve, um dos autores vive em Lisboa), e reforço dos guias Fapas. Um dia assim anima-me o espírito.

Menos animado fico quando as pessoas vão ou estão na loja e se dão ao trabalho de me dizer que não compram certo livro porque na net é mais barato (e às vezes até muito mais barato). O que não lhes passa pela cabeça é que a net não investe, são intermediários, que a Amazon está sediada na Irlanda para não pagar impostos, e que a Amazon não dá empregos a ninguém em Portugal. Ou a Book Depository. E nem deve ser preciso eu defender-me. Onde já se viu alguém entrar numa pizaria para dizer que a piza que mandou vir pelo telefone foi mais barata do que a piza que iria comer sentado à mesa. São coisas diferentes. E no entanto há quem ache absolutamente natural entrar numa loja que paga renda, segurança social e mais um número infidável de impostos e que investe para dar a possibilidade ao consumidor de ter os produtos na mão sem qualquer compromisso, e ainda ter alguém a atender que normalmente até é simpático, e dizer-me, sem perceberem o quão indelicados estão a ser, que vão comprar, ou compraram, mais barato na net. Que resposta esperam que eu dê?

Fica o pedido: comprem na net, eu percebo, mas por favor, não me venham esfregar isso na cara. É simplesmente bater com o pau num ninho de vespas virem-me dizer essas coisas. Ás vezes fico calado, outras solto um enxame de ferrões à volta da cabeça da pessoa até que saia a correr da loja para não ser mais picada. Bom, na verdade, isto só aconteceu uma vez, com uma estudante de ilustração que, bem intencionada, quis comprar o Guild Handbook of Scientific Illustration. E foi um bico de obra.

Este livro, uma referência essencial para ilustradores, não se encontra, tanto quanto sei, em nenhuma livraria em Portugal. Comprei, a pronto, duas cópias ao editor pelo preço de 115€ cada. O preço de venda ao público recomendado é de 148€. Eu, a achar que até estava a ser simpático, precei o livro a 140€ (eu sei que 25€ parece muito para ganhar num só livro, mas isto inclui IVA e é uma margem bastante inferior à margem considerada mínima para uma livraria conseguir ter as portas abertas, para além de que os livros numa livraria são vistos por pessoas que depois vão comprar à net e que os vão gastando, e portanto na verdade, provavelmente, mesmo a este preço, nunca faria um tostão com a sua venda). E tratei de divulgar junto de quem poderia estar interessado que o livro estava na loja. A reacção deixou-me KO. Entre acusações de estar a querer enriquecer à custa de pobres estudantes fui surpreendido pelo livro à venda na net a preços entre 100-120€, portes incluídos. Questionei - sou muito ingénuo, está visto - a editora sobre este facto, afinal tinham-me fornecido mais caro do que a net vende ao público, e a resposta é a resposta típica das editoras que adoram cometer suicídio, siderando as pequenas livrarias para favorecer grandes cadeias que lhes dão margens bem menores e deixam dívidas por pagar enormes. A resposta é sempre que a culpa não é deles, quando a culpa é só deles. Mas adiante.

Esta rapariga acabou por comprar o livro online, e depois veio à loja dizer-mo e para me mostrar ilustrações suas, algo que eu a tinha convidado a fazer. Mas claro que as vespas não lhe permitiram. Convidei-a a enviar as ilustrações para o site na net onde tinha comprado o livro. Porque razão é que eu iria investir num autor que não investe em mim? E depois, ainda se deu ao luxo de me perguntar aonde é que faço as reproduções das ilustrações que vendo na loja, feitas numa técnica especial que eu, ao que parece, estou a ajudar a divulgar. Antes de lhe responder, porque tenho as melhores referências a dar desta loja, a Extramedia, perguntei-lhe porque não perguntava ao site na net que lhe tinha vendido o livro.

Eu sei que sou chato, mas não há almoços grátis. Se as pessoas acham que podem comprar tudo na net, no estrangeiro, ao preço mais barato possível, e depois ter em Portugal emprego e economia vibrante, e ainda o luxo de haver um tipo numa loja que quer divulgar o seu trabalho e que dá informações sobre como podem elas imprimir o mesmo para vender estão perfeitamente iludidas. A resposta que recebi foi a típica: que não tem dinheiro, nem emprego, que o Governo não dá emprego às pessoas, e que não se pode esperar que seja ela a fazer sacrifícios, que tem comprar onde é mais barato.

Enfim. Este livro só me trouxe dores de cabeça. Agora pergunto: valeu a pena investir 230€, com o risco todo do meu lado, para ter disponível um livro que não há para venda e consulta em mais lado nenhum? Eu acho que sim, ainda a semana passada, por sugestão minha, o emprestei a um ilustrador para o mostrar aos seus alunos, sabendo que os mesmos irão comprá-lo na net, porque também fiz questão de informar o ilustrador das opções para os alunos na net, porque não queria que o mesmo fosse surpreendido, como eu fui, e mais tarde acusado de ajudar alguém a lucrar com os alunos. Imagine-se, lucrar. Haverá pecado mais capital em Portugal do que ter um negócio e querer lucrar de forma honesta, aberta, sem favores de ninguém?

E, no fim do dia, sigo para o campo, para junto do meu cão, aquele que apareceu abandonado e que nunca mais partiu. O cão é maluco, tarado, suja-me todo, destruíu a cobertura da casa que lhe construí para depois me fazer companhia a ver isolar de novo a casota, mas recebe-me sempre com o maior entusiasmo do mundo, circulando o carro e perscrustando o perímetro para se certificar que não há perigo e que estou seguro. E depois, enquanto o meu companheiro adianta o jantar e eu recolho lenha pelo terreno, para acender o recuperador de calor que as noites estão frias, fica ali, a ver-me e, finalmente, por uns instantes, o pó assenta e tudo parece mais simples.

9 comentários:

  1. Bolas, agora fiquei com medo de ir à loja!

    Just kidding, estás coberto de razão.

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  2. Venha à vontade, caro Cláudio. Acabei de fumegar o ninho de vespas e até pode ser que venha a tempo de uma tempura de vespa, muito apreciada lá para os lados do sol nascente.

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  3. uma irritação caricata com direito a vespas e tudo! lol
    a razão está, sem dúvida, do seu lado.
    espero muito em breve visitar à sua loja tão castiça! talvez sábado, antes da visita ao jardim...

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  4. Tem toda a razão para estar indignado. Muitas pessoas não dão valor a projectos como o seu. Já fui algumas vezes à sua loja e gosto sempre de entrar e folhear os livros que tem, à procura de novidades que me agradem. Isto não pode fazer na net, estamos limitados à visualização de uma capa e de uma pequena sinopse. Pior ainda são os que aproveitam as raras “Lojas de História Natural” deste país para folhear os livros e depois encomendar os mesmos pela net!

    Matthias Tissot

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  5. Obrigado, Marilisa e Matthias pelos vossos comentários! Continuo a trabalhar (e estou neste momento na loja) para vos servir da melhor maneira possível. Até breve!

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  6. As maiores felicidades para a Loja de História Natural, já aí comprei e fiquei muito satisfeito, a vossa simpatia e competência compensam largamente os euros a mais! Parabéns e continuação de bom trabalho!
    Filipe Matos

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  7. Obrigado, Filipe! Fazemos o nosso melhor e gostamos de saber que os nossos clientes aprovam o nosso trabalho.
    Até breve!

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  8. Amigo Rui, bom dia: só hoje conheci o seu blog e este post (foi-me enviado) e quero agradecer-lhe. Temos em comum, não só o nome, como o facto de trabalharmos em livrarias especializadas (a minha na área das religiões), e uma pessoa «apanha com cada uma», desde pessoal que me telefona a perguntar por tal livro dizendo descaradamente que já telefonou para a editora e para todas as livrarias e elas não têm (e por fim, vêm aqui), até àquela senhora que precisa de um livro (disponível), mas numa edição de... 1948.
    Um abraço, e votos de um bom trabalho, com os parabéns de quem tenta trabalhar no que gosta e se sente bem.
    Rui Pedro Vasconcelos, Livraria Fundamentos

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