quarta-feira, 1 de julho de 2020

A que se deve a Mortalidade Excessiva observada em Portugal em 2020? Parte I

Entre 9 de Março e 29 de Junho de 2020 registou-se em Portugal um excesso de mortalidade em relação à média de 2009-2019 - Mortalidade Excessiva - de 4411 óbitos, um acréscimo de 15% do número de óbitos. Os dados da mortalidade foram obtidos a partir do EVM-SICO e DGS. O tratamento de dados e gráficos são da minha autoria.
Desses óbitos, apenas cerca de um terço - 1576 (36%) - foi contabilizado na estatística da doença provocada pelo vírus Corona 2019, a DOVICA-19 (COVID-19), havendo um excesso de 2835 óbitos não contabilizado na estatística oficial de óbitos associados à DOVICA19 (COVID19).

Ou seja, até ao presente, cerca de 2/3 da mortalidade excessiva registada em Portugal no período da pandemia pelo vírus Corona 2019 não foi associada oficialmente à DOVICA-19. A que se deve esta mortalidade excessiva oficialmente não DOVICA-19?

Para tentar melhor compreeender as razões por detrás da evolução da mortalidade excessiva, resolvi ver a evolução no tempo dos óbitos em Portugal oficialmente associados e não associados à DOVICA-19.


O que quero tentar ver é se parece haver alguma relação entre estas duas variáveis. No gráfico abaixo podem ver a a evolução destes dois tipos de mortalidade desde que a mortalidade de 2020 cruzou a média de 2009-2019 em Março de 2020, altura que se começaram a sentir os efeitos da pandemia em Portugal.

O que é que este gráfico mostra e que interpretação faço disso?

1. A mortalidade excessiva não DOVICA-19 iniciou-se dias antes e teve uma expressão maior do que a mortalidade associada à DOVICA-19.

2. A mortalidade excessiva não DOVICA-19 iniciou-se antes do início do confinamento em Portugal que começou oficialmente a 16 de Março de 2020, sendo que o trajecto de aumento era claro desde 10 dias antes.

3. A mortalidade excessiva não DOVICA-19 atingiu um primeiro pico simultaneamente com a mortalidade oficial associada à DOVICA-19 no final da primeira semana de Abril de 2020, durante o confinamento de Março/Abril 2020.

4. Depois deste primeiro pico e ainda durante o confinamento, a mortalidade excessiva não DOVICA-19 diminuíu mais rapidamente que a mortalidade DOVICA-19 atingindo um mínimo no período de Abril de 2020 em que mais testes se estavam a fazer em Portugal e a taxa de testes positivos atingia o valor mais baixo (ver gráfico).


Ou seja, a descida acentuada da mortalidade não DOVICA-19, ficando mesmo abaixo da mortalidade oficial associada à DOVICA-19, coincidiu com a altura em que menos pessoas infectadas terão ficado por diagnosticar e passado tempo suficiente do início do confinamento (4 semanas) para haver uma diminuição de novas infecções e de mortes resultantes.

5. A mortalidade excessiva não DOVICA-19 volta a ter uma pico acima da mortalidade DOVICA-19 na primeira fase de desconfinamento, no início de Maio de 2020.

6. A partir da terceira semana de desconfinamento, a mortalidade excessiva não DOVICA-19 volta a crescer muito acima da mortalidade associada à DOVICA-19 e mantém-se acima desse valor até ao presente. No entanto, sempre que atinge um pico este coincide com um pico mais modesto da mortalidade associada à DOVICA-19.

Em resumo, e fazendo já uma interpretação pessoal do que descrevi acima:

a) A mortalidade excessiva não DOVICA-19 iniciou-se ainda em desconfinamento e depois de atingir um pico simultâneo com os óbitos associados à DOVICA-19 sofreu uma redução drástica coincidente com um aumento no número de testes e uma diminuição da taxa de positivos (ver gráfico da evolução da taxa de primeiros testes positivos na página do blog dedicada à pandemia). Isto enquanto o número de dias em confinamento continuava a aumentar.

Quando não se testava o suficiente as mortes não associadas à DOVICA-19 aumentavam, quando se testava mais as mortes não associadas à DOVICA-19 diminuiam.

É, por isso, minha opinião que esta primeira grande curva de mortalidade excessiva não DOVICA-19, observada do início de Março ao final de Abril, se deve em grande parte e de forma directa à pandemia em si e não ao confinamento, ou seja, são óbitos devido à DOVICA-19 de pessoas a quem nunca foi diagnosticada a infecção. Na minha interpretação haverá um défice marcado da contabilidade oficial de óbitos de pessoas infectadas com o vírus Corona 2019.

b) Tenho mais dificuldade em interpretar a evolução da mortalidade excessiva não DOVICA-19 após o início do desconfinamento. Atribuo o segundo pico menos expressivo, na primeira semana de Maio, a primeira semana de desconfinamento, ao desconfinamento em si. Mais acidentes? Mais cirurgias urgentes?

Mas é a partir da última semana de Maio, com o número de testes de diagnóstico a diminuir e a taxa de positivos a aumentar, que a mortalidade não DOVICA-19 volta a disparar, não tendo voltado desde então a ficar abaixo dos números oficiais de óbitos associados à DOVICA-19. Isto em desconfinamento pleno mas com um descontrolo das novas infecções.

Poderão ser feitas interpretações alternativas sobre o papel que o confinamento em si e/ou o medo de recorrer aos serviços de saúde teve e está a ter no mortalidade excessiva DOVICA-19.

Mas parece-me que a interpretação de que uma grande parte da mortalidade excessiva não DOVICA-19 é simplesmente mortalidade DOVICA-19 não reconhecida é a mais simples e plausível.

A ser verdade, a mortalidade associada à pandemia em Portugal é muito mais elevada do que está a ser reconhecido. E isto tem levado muita gente a subestimar o poder destrutivo deste vírus.

Sem comentários:

Enviar um comentário