Olá a todos,
Desta vez não venho divulgar um livro nem actividade, nem persuadir-vos a virem visitar a loja. Antes pelo contrário. Escrevo para explicar porque é que na próxima Quinta-feira, 24 de Novembro de 2011, dia da Greve Geral, a loja estará fechada, abdicando de qualquer actividade durante 24 horas. Não tomo esta decisão - porque é uma decisão minha, gerente da loja - de ânimo leve. Estou consciente dos riscos para a loja que uma decisão destas pode trazer, desde alienar parte da nossa clientela à perda da facturação de um dia. E a situação económica é difícil o suficiente para estar a correr riscos deste tipo. Mas penso ser mais importante aderir à Greve Geral de dia 24 de Novembro de 2011. Eis porquê:
- considero que o Orçamento de Estado de 2012, conforme proposto neste momento, é ilegal (confisca bens ilegalmente), inconstitucional (discrimina um grupo específico de pessoas) e põe em causa o funcionamento do Estado de Direito (está a ser aplicado arbitrariamente).
Concordo plenamente com a opinião do magistrado António Martins, que explica muito melhor do que eu conseguiria, porque este orçamento é ilegal e insconstitucional. Esta opinião reflecte 100% a minha reacção quando tomei conhecimento das medidas propostas pelo governo (entrevista por Micael Pereira no Expresso de 29-10-2011, visível aqui):
- Porque é que o corte dos subsídios de férias e de Natal é ilegal?
- O património das pessoas só pode ser objeto de incorporação no património do Estado por vias legais. E elas são o imposto, a nacionalização ou a expropriação. Não é possível ao Estado dizer: vou deixar de pagar a este meu servidor ou funcionário. O que o Estado está a fazer desta forma é a confiscar o crédito daquela pessoa. Por força de uma relação de emprego público, aquela pessoa tem um crédito em relação ao Estado, que é resultado do seu trabalho. Há aqui uma apropriação desse dinheiro, que configura um confisco: isso é ilegal e inconstitucional.
- Mas não há exceções que tornem o corte legítimo?
- Há o estado de emergência e o estado de sítio, em que os direitos das pessoas podem ser comprimidos ou suspensos durante algum tempo. Mas não foi decretado o estado de sítio ou o estado de emergência. E não o tendo sido decretado, o Estado continua sujeito ao respeito dos direitos dos cidadãos. Pode-se dizer, e nós já o afirmámos, que vivemos um momento difícil, em que é necessário salvar o país. E todos devemos ser mobilizados para essa salvação. Mas de forma adequada, precisamente pela via do imposto.
- Quer dizer que a redução para metade do subsídio de Natal deste ano já não é ilegal?
- Não é um corte. É um imposto. O imposto é lançado sobre todos, ou seja, tem carácter universal, abrangendo todos aqueles que têm capacidade contributiva, que advém dos rendimentos do trabalho mas também dos rendimentos do capital. E tem ainda carácter progressivo, em que quem mais ganha mais paga. Essa é a via justa e equitativa que respeita o direito. É a via adequada para salvar o país. Há um erro profundo na forma como se está a enquadrar esta questão. Porque há uma pergunta que subsiste: onde para o limite disto? Qualquer dia o Governo lembra-se de decidir que as famílias com dois carros vão ter de entregar um. A situação é a mesma. Ficar com um carro de um cidadão ou ficar com o seu dinheiro é igual.
- E o que vai fazer para combater essa decisão?
- Da parte dos juizes, achamos que temos uma responsabilidade de cidadania e um imperativo de transmitir aos cidadãos portugueses que esta medida, ainda que venha a ser aprovada pelo Parlamento e ainda que venha a ser lei, não é uma lei conforme ao direito e à justiça.
- Será, portanto, uma lei ilegal?
- É uma lei ilegal e que não deve ser cumprida. Os cidadãos podem recorrer aos tribunais para salvaguardarem os seus direitos. E no espaço dos tribunais, por enquanto, num Estado de direito, que se deve equacionar a legalidade das leis e o seu cumprimento ou não. Cabe aos tribunais dizer se elas são conformes ao direito, à justiça e à constituição. Essa é a nossa grande preocupação neste momento. (...)
Ou seja a única forma legítima de o Governo ir buscar as verbas que procura da forma como quer fazer - ficar com parte dos rendimentos - é lançar um imposto. E um imposto tem de ser universal, não pode descriminar um grupo de pessoas, neste caso os funcionários públicos.
O OE12 terá ainda outro efeito perverso que já começa acontecer e que a meu ver é um forte ameaça ao pleno funcionamento de um Estado de Direito: arbitrariedade na aplicação de uma lei.
O OE12 terá ainda outro efeito perverso que já começa acontecer e que a meu ver é um forte ameaça ao pleno funcionamento de um Estado de Direito: arbitrariedade na aplicação de uma lei.
São já duas as nomeações feitas por membros do Governo em que se tenta impedir que os cortes previstos para os funcionários públicos afectem pessoas nomeadas. Ver notícia do Correio da Manhã sobre esta questão aqui. Ao mesmo tempo, o orçamento para a Assembleia da República prevê a manutenção de verba para pagamento dos subsídios cortados a outros funcionários públicos.
Ou seja, ao fazer uma lei que não afecta toda a população, o Governo sente-se com a legitimidade para decidir caso a caso a quem se aplica uma lei. Isto é a total subversão de um Estado de Direito, em que todos têm direito a tratamento igual pelo Estado. A arbitrariedade na aplicação de uma lei é uma térmita que mina toda a fundação de um Estado de Direito. É inadmissível, perigosa e assustadora.
No âmbito do requisito de proteção igual pela lei, a lei não pode ser aplicável unicamente a um indivíduo ou grupo.
Os cidadãos devem estar protegidos da prisão arbitrária, da busca sem razão em suas casas ou da apreensão de seus bens pessoais.
Estas são premissas básicas de um Estado de Direito, retiradas da página da Embaixada dos EUA em Brasília, Brasil (aqui). O OE12 viola ambas estas premissas ao aplicar uma lei a um grupo específico. Substituam 'funcionários públicos' por 'judeus', 'negros' ou 'homossexuais' e torna-se claro que se trata da apreensão dos bens pessoais de um grupo específico, algo a repudiar por ser ilegal e insconstitucional).
Estas razões que aqui apresento para aderir à Greve Geral não questionam a necessidade ou não de austeridade. Questionam a forma como se quer impor a mesma, forma essa que considero ilegal, inconstitucional e um atentado ao Estado de Direito, base de qualquer democracia funcional. E eu prezo muito ter nascido em democracia e ter vivido sempre, até agora, num país democrático. Pela primeira vez sinto que este privilégio - viver em democracia - está a ser atacado de forma sustentada. E por isso reajo e protesto e adiro à Greve Geral.
Caros clientes e amigos, na próxima Quinta-feira, 24 de Novembro de 2011, a loja está fechada. Obrigado pela compreensão.
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