Um dos ex-libris desta rota é a Fraga de Água d'Alta, geomonumento classificado conhecido pela sua queda de água. Em redor deste geomonumento e ao longo da ribeira de Água d'Alta, prospera um bosque reliquial com um importante núcleo de azereiros Prunus lusitanica subsp. lusitanica, tendo sido contabilizados, antes do incêndio, cerca de 265 exemplares desta árvore rara, uma das maiores populações conhecidas desta espécie.
A GeoRota do Orvalho atravessa grandes áreas de pinhal, ardido em Agosto.
Numa visita efectuada a 9 de Setembro de 2017, fiz parte do trajecto da GeoRota do Orvalho e testemunhei as marcas que os incêndios deixaram. Era a minha primeira visita ao local e ia especificamente em busca dos azereiros. A caminhada a subir a ribeira foi um pouco angustiante, com exemplares de azereiro, folhado Viburnum tinus e sanguinho Frangula alnus, entre outras espécies, ardidos. Alguns azereiros encontravam-se caídos por terra. Era pouco animador.
As zonas mais baixas da Ribeira de Água d'Alta arderam com intensidade.
O caminho da GeoRota do Orvalho acompanha a Ribeira de Água d'Alta.
Alguns folhados que arderam no incêndio.
Alguns azereiros ardidos e outros não ardidos caíram por terra.
Pequeno azereiro não ardido no meio de outros que arderam.
Passadiços parcialmente ou totalmente destruídos pelo fogo.
O panorama viria a melhorar com a aproximação à Fraga de Água d'Alta, mas grande parte da vegetação ao longo da ribeira, infelizmente, ardeu. Junto com a vegetação, também arderam muitos dos passadiços e pontes pedonais de madeira que ao longo do percurso facilitavam a caminhada e ajudavam a tornar aquele trajecto um passeio inesquecível. Em alguns casos o fogo consumiu por completo a madeira, deixando apenas pequenas sapatas de metal com cotos ardidos e marcas no solo onde antes se apoiava o passadiço. Será necessário um esforço significativo para repôr o que se perdeu com o fogo.
Não tinha tido o prazer de visitar esta rota anteriormente, mas encontra-se com alguma facilidade registos de passeios feitos por outras pessoas que mostram a beleza da caminhada. Incluo aqui três exemplos de registos fotográficos anteriores ao incêndio que podem visitar: aqui, aqui e aqui.
O meu objectivo, como escrevi acima, era ficar a conhecer este núcleo de azereiros, um bosque relíquia de espécies de folha perene, típicas da laurissilva da Época Terciária, dominado pelo azereiro e enriquecido por folhados e outras espécies. Era a quarta paragem de um passeio de dois dias por bosques autóctones com presença de azereiros que me tinha levado no dia anterior à Mata da Margaraça, Fraga da Pena e Mata do Fajão, na Serra do Açor.
Azereiral na encosta, parcialmente ardido.
Para este bosque, estava descrita a presença de azereiros ao longo da ribeira, aumentando a sua densidade conforme se sobe o curso de água e nos aproximamos da Fraga de Água d'Alta. Em redor do geomonumento, a mancha de azereiros alarga-se e sobe pelas encostas do vale que aqui se inicia. Neste ponto as encostas do vale estão mais próximas entre si e o terreno é mais sombrio e propício a esta espécie. Os azereiros sobem, em particular, a encosta mais abrigada do sol e por isso mais húmida e fresca, e formam um pequeno azereiral.
Felizmente, os danos que observei foram ultrapassados pelo esplendor e abundância dos exemplares sobreviventes. Não quero de todo menosprezar os efeitos do fogo. Numa população conhecida de 265 azereiros, todas as perdas são significativas. Mas estou certo que muitos dos azereiros ardidos não morreram e irão, com maior ou menor força, rebentar de novo. Em especial, a intensidade do fogo ao longo da linha de água parece ter diminuído conforme subimos a ribeira, o vale se fecha e se torna mais húmido e sombrio e nos aproximamos da cascata de água. Em vários locais o incêndio queimou alguns ramos de grandes azereiros mas poupou as árvores em si.
Mas não nos devemos iludir. O fogo chegou aos azereiros de grande porte que vivem no centro da ribeira. Já na encosta mais sombria, onde se desenvolve o azereiral, o fogo parece ter consumido todo a camada sub-arbustiva e os azereiros mais periféricos, poupando, no entanto, muitos dos azereiros, em especial os mais próximos da linha de água e os mais centrais, como se pode ver na imagem à esquerda.
Na encosta, o fogo consumiu o sub-mato mas não os azereiros. Sobreviverão?
Um azereiros ardido que começa a rebentar.
Parece-me a mim que a presença da linha de água e de solos mais húmidos, o vale mais encaixado e sombrio, menos propício ao desenvolvimento de mato, e o tipo de folhagem do azereiro, mais carnuda e com maior índice de água, terão contribuído para este desfecho, como terá contribuído o trabalho dos bombeiros. Desconheço se estiveram no local a combater as chamas, mas existem indícios de que sim.
O importante é que se evitou um dano maior a este magnífico pequeno bosque e foi um alívio verificar no terreno a sua sobrevivência, apesar da angústia de ver as marcas das chamas tão perto de alguns dos maiores azereiros e ver outros ardidos e caídos. Faço votos que a recuperação do percurso seja feita com brevidade para que se continue a usufruir deste local muito especial. Trata-se de um geomonumento singular, com uma bonita cascata de água, à sombra de relíquias botânicas, enquadradas numa ribeira encaixada de beleza singular.
O fogo chegou à sinalética mas poupou a ponte mais perto da cascata.
Azereiros de grande porte, perto da Fraga de Água d'Alta, que sobreviveram.
Folhagem viçosa de azereiro de grande porte que sobreviveu, com frutos.
A beleza da Fraga de Água d'Alta sobreviveu ao incêndio.
Espero nos próximos dias publicar um texto sobre esta minha visita ao território do azereiro, incluindo a passagem pela Mata da Margaraça, Fraga da Pena e Fajão.
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