segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Evolução da letalidade pela Doença do Vírus Corona DOVICA-19/COVID-19 em Portugal

O número de casos confirmados de infecção pelo vírus Corona ViCo-SARS-2/SARS-CoV-2 está a aumentar em Portugal e por toda a Europa. No entanto, o número de óbitos quer em Portugal quer nos restantes países é muito menor do que tinha sido em Março/Abril deste ano e não está a acompanhar o aumento de casos. Porquê?

Desde finais de Maio de 2020 que morrem menos pessoas em proporção ao total de casos confirmados em Portugal.

 

A resposta a esta pergunta tem várias hipóteses, das quais enumero as que me parecem mais plausíveis:

a) estamos a testar mais agora e portanto diagnosticamos mais casos;

b) a média de idades dos novos casos é mais baixa, há mais jovens diagnosticados e os jovens morrem muito menos com esta doença;

c) estamos a conseguir tratar de forma mais eficaz os doentes e por isso morrem menos.

Para a hipótese a) não apresento aqui nenhum dado. Dou como adquirido que estamos a testar mais do que em Março/Abril. Mas este maior número de testes por si não altera a taxa de letalidade porque tem consequências quer para o numerador quer para o denominador da razão que permite calcular a letalidade:

Letalidade = número de óbitos/número de casos.

Se houver mais casos também se identificam mais óbitos. No entanto, se estivermos a diagnosticar mais pessoas assintomáticas - e a minha percepção é que sim - então estamos a diminuir a proporção do número absoluto de óbitos porque estamos a aumentar o denominador (número de casos) sem aumentar o numerador. E isso leva-nos para a hipótese b) visto que as pessoas assintomáticas são tendencialmente mais novas.

A pergunta, então, é: a média de idades de casos diagnosticados está a diminuir? E a resposta é: sim, está. 

Os dados utilizados para elaboração deste gráfico foram obtidos no depositário de dados sobre a pandemia https://github.com/dssg-pt/covid19pt-data .

Quando se começou a testar em número suficiente para a média de idades estabilizar - início a meados de Abril de 2020 - a idade média dos casos confirmados era de 53 anos. No início de Setembro de 2020 a idade média tinha descido para 47 anos, portanto estamos a diagnosticar a infecção em pessoas cada vez mais novas. Seis anos podem não parecer muito, mas esta é uma média cumulativa que ganha inércia com o tempo. É necessário uma variação forte para conseguir movê-la e, aqui, essa variação só se conseguiu com uma marcada diminuição na idade das pessoas com um teste positivo em Portugal.

Mas enquanto a idade média dos casos confirmados tem estado a diminuir, a idade média do óbitos tem estado muito estável, num valor perto dos 80 anos. E é por isto que se tem a sensação que estão a morrer menos pessoas quando olhamos para o número global de casos, porque os mais novos morrem menos e o número de óbitos dos mais velhos dilui-se no total de casos confirmados.

Há ainda que ter em conta o tempo que vai desde a infecção à morte. Quando os números de casos confirmados são estáveis o número de óbitos mantem-se proporcional. Mas quando há um aumento significativo de casos, como agora, o número de óbitos demora cerca de 3 semanas a reflectir esse aumento, diminuindo ainda mais de forma artificial e temporária o número de óbitos.

Mas estamos a conseguir tratar com maior eficácia os doentes, levando a que morram menos - hipótese c) - ou seja, a taxa de letalidade está a diminuir? Vejamos a evolução das taxas de letalidade em Portugal globalmente e para os grupos etários mais velhos.

Os dados utilizados para elaboração deste gráfico foram obtidos no depositário de dados sobre a pandemia https://github.com/dssg-pt/covid19pt-data .

O aumento progressivo das taxas de letalidade no início reflecte o tempo que vai desde o diagnóstico à morte da pessoa. Assim, os valores máximos da letalidade foram atingidos em finais de Maio, algumas semanas depois de se ter atingido o primeiro pico de infecções em Portugal. Desde então, tem havido uma diminuição da taxa de letalidade de cada grupo etário e da letalidade global em Portugal, uma diminuição entre 10 a 20%.

Esta diminuição reflecte, na minha opinião, uma melhoria na capacidade para tratar estes doentes. É uma melhoria significativa mas não muda o paradigma, esta doença continua a matar uma proporção muito elevada de pessoas infectadas.

Ao mesmo tempo, o uso generalizado de máscaras estará a diminuir a carga viral média com que as pessoas se infectam e menores cargas virais estão associadas a doença menos grave, em especial nos mais novos.

Quais são, então, as actuais taxas de letalidade para a doença em Portugal? E como se comparam com as taxas relatadas num estudo da revista Lancet de Junho deste ano que estimava a severidade da doença e que pode ser consultado em https://doi.org/10.1016/S1473-3099(20)30243-7 ?

O valor da letalidade em Portugal para os dois grupos etários mais novos - 0 a 9 anos e 10 a 19 anos - sofre da Lei dos Números Pequenos em que uma ligeira variação altera de forma significativa o resultado.

A 9 de Setembro de 2020, a taxa de letalidade em Portugal nos grupos etários acima dos 40 anos era superior às taxas de letalidade previstas pelo estudo referido. A diferença era particularmente marcada para os dois grupos etários com risco mais elevado, pessoas entre 70 e 79 anos e com mais de 80 anos, morrendo em Portugal mais do dobro das pessoas desses grupos etários do que se esperaria.

Isto faz-me pensar que muitas pessoas infectadas deste grupo etário não estão a ser diagnosticadas, não só pessoas assintomáticas como pessoas com doença grave. Ou seja, na minha opinião, estará a escapar não só o diagnóstico de muitos casos mas também a identificação de óbitos. E isto tem implicações para as causas da mortalidade excessiva que se tem observado em Portugal desde Março de 2020.

Estou a querer inferir que muitos dos óbitos em excesso não identificados como relacionados com a DOVICA-19/COVID-19 são, na verdade, óbitos associados directamente à doença.

Em conclusão, diria que a diminuição da proporção entre o número de óbitos e o número de casos no início de Setembro de 2020 se deve a:

a) diminuição da idade média dos casos confirmados;

b) diminuição real de 10 a 20% da taxa de letalidade por grupo etário;

c) atraso entre o diagnóstico de novos casos e o óbito, mais evidente quando há um aumento brusco de casos como agora.

 



 

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